“Brasil pode liderar Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”

Data: 07/06/2013
A pouco mais de dois anos para o fim dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), as Nações Unidas já trabalham firme para que, a partir de 2015, sejam estabelecidas novas metas para o mundo. Dessa vez, o esforço será na criação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), um movimento que teve início durante a Rio+20 e que, agora, vai ganhando uma cara.
Em maio, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou um rascunho do que seriam essas metas. Ainda em tom bastante genérico, os pontos listados não demonstram objetividade tampouco estipulam prazos para seu cumprimento (clique aqui para acessar o documento em inglês).
Mas talvez fosse pedir demais algo além do que foi apresentado nessa etapa do processo. O trabalho é complicado e exige que os países concordem com o que está sendo proposto. Porém, mais do que decidir sozinha sobre o que deve ser feito, a ONU está fazendo um trabalho inédito no sentido de estabelecer um diálogo global sobre o que os ODS deveriam contemplar. E, nesse caso, quando se fala em todo mundo, significa todo mundo mesmo, inclusive você e eu. Por meio de uma plataforma on-line, o My World 2015, a entidade abre caminho para que as pessoas opinem a respeito do futuro que desejam construir.
Nesse sentido, Olav Kjorven, secretário-geral assistente das Nações Unidas, acredita que o Brasil possa ter um papel de liderança, pois, segundo ele, esse é um dos poucos países com alta credibilidade quando se fala em progresso direcionado a um desenvolvimento sustentável.
Kjorn esteve esta semana no Brasil e concedeu esta entrevista exclusiva para o Mercado Ético, onde fala não apenas sobre ODM e ODS, mas também sobre a Rio+20 e suas expectativas para o Centro Rio+, inaugurado no começo desta semana no Rio de Janeiro. Confira abaixo!
Mercado Ético – A Rio+20 foi bastante criticada por ser um completo fracasso. O que você acha disso?
Olav Kjorven – Eu não concordo com isso de jeito nenhum. Eu entendo a crítica, mas acho que elas levam em conta pontos errados do que foi o evento. Também acho que houve uma falta de entendimento de onde estamos enquanto comunidade global. Claro que há uma necessidade de encaminharmos os grandes desafios de forma mais apropriada. Mas se de um lado a Rio+20 não conseguiu o comprometimento de governos, do outro estabeleceu uma nova mentalidade sobre o desenvolvimento que queremos para o futuro. Hoje entendemos que o desenvolvimento não existe sem a sustentabilidade, e que a sustentabilidade existe sem desenvolvimento. Isso significa que o trabalho dos governos e da sociedade é sistematicamente integrar as três dimensões da sustentabilidade: a Social, a econômica e a ambiental.
Antes da Rio+20 a sustentabilidade estava fora de moda. Ninguém mais falava de disso. A conferência trouxe o assunto de volta de uma forma mais forte e com um entendimento de que não podemos ter sustentabilidade sem que seus três elementos estejamos juntos.
Em segundo lugar, conseguimos compromissos no sentido de criar os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS). Isso é o mais importante. Até 2015 teremos uma nova gama de objetivos para nos ajudar todos a alcançar o desenvolvimento sustentável. Isso não será apenas para as pessoas pobres dos países pobres. Valerá para todo o mundo.
E finalmente, a Rio+20 foi muito além das negociações formais. . Tivemos movimentos muito importantes da sociedade e das empresas.
ME – Com relação aos objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM), muitas das metas não foram ainda alcançadas. O que você espera disso nessa reta final?
OK – Meu ponto de vista é de os ODM já são um sucesso. Pela primeira vez na história temos objetivos comuns para melhorar as condições de vida das pessoas. Estamos falando sobre mortalidade infantil, saneamento básico, colocar as crianças na escola, resolver problemas de saúde como o HIV e a malária. Os ODM estão sendo importantes para resolver os problemas das pessoas. O mundo deixou um pouquinho de lado a obsessão pelo crescimento econômico para olhar a essas causas humanitárias. E essa iniciativa deu certo porque os objetivos eram simples e mensuráveis.
Mesmo para aqueles que dizem que os países que melhoram seus índices só o conseguiram por causa do crescimento econômico – como China, Índio e Brsail -, isso não é verdade. Muitos governos priorizaram algumas questões por conta dos ODM. Por isso que são tão importantes. Eles realmente funcionam.
ME – Levantar dinheiro para os ODM também foi o problemático. A meta era ter 0,7% do PIB de cada um dos países doadores, mas foram poucos que chegaram lá.
OK – É verdade. Apenas seis ou sete países alcançaram ou ultrapassaram a meta de 0,7%. Mas novamente você tem escolher se olha para o copo meio cheio ou meio vazio. Nos anos 90, as doações estavam diminuindo. Os países estavam perdendo seu comprometimento com ONU. Deepois dos ODM esse movimento se reverteu. Então, apesar de muitos países não terem alcançado a meta, a maioria dos países aumentou a ajuda nesse período. Outra coisa também que aprendemos com os ODM é que os países em desenvolvimento não dependem apenas do dinheiro da ONU para agir. Os recursos mais importantes para isso saíram deles mesmos. Vimos muitos lugares da África melhorando seus sistemas de coleta de imposto para mobilizar mais recursos domésticos para esse fim.
Claro que isso não significa que tudo já foi feito. Ainda há muita coisa para fazer. É importante dizer também que muitos grandes entidades privadas, como a Gates Foundation, estão se tornando grandes doadores .
ME – Mas você acha que a queda de doação pode ser um entrave para os ODS?
OK – Quando olhamos pro longo termo, vemos alguns desafios. De um lado temos a crise européia. Isso pode ser uma ameaça. Mas, por outro lado, quando falamos em desenvolvimentos sustentáveis estamos falando de cidades melhores, energia, agricultura. Isso significa que não podemos olhar apenas para o dinheiro dos contribuintes, mas também para o capital privado. O grande desafio para é levar o capital privado para coisas que não estão relacionadas apenas ao lucro, mas também ao desenvolvimento humano.
ME – Qual sua expectativa a esse respeito?
OK – É difícil, não é? Mas olhe para o que a General Motos, a Unilever e outras grandes companhias estão dizendo. Elas estão se comprometendo com essas coisas de forma muito séria . Claro que precisam continuar tendo lucro, mas elas têm que fazer isso de uma forma socialmente e ambientalmente responsável. Então percebemos que mesmo no setor privado as pessoas estão percebendo que as coisas precisam ser feitas de uma forma diferente. Abrir oportunidades dos objetivos sustentáveis do milênio é estabelecer uma parceria global. É preciso criar uma coalizão do setor privado e do setor financeiro. Sem isso, não vamos conseguir.
ME – A inauguração formal do Centro Rio+ será só no fim do mês, mas ele já está operando na UFRJ. Qual a importância de ter um centro desse tipo no Rio de Janeiro?
OK – É muito importante. Temos grandes expectativas. Há o fator simbólico de termos esse centro no Brasil refletindo o fato da Rio+20 ter ocorrido no Rio de Janeiro. Também representa a institucionalização de tudo o que aconteceu na ocasião. O rio também é uma localização apropriada no sentido de que quebra com a lógica de de 20 ou 30 anos atrás, quando as ideias e receitas de desenvolvimento saiam do norte para o sul. Esse mundo acabou. Hoje, o comércio entre os países do sul tem quase o mesmo volume econômico do que o realizado entre os países do norte. Há 10 anos ninguém achava que isso seria possível dali 40 anos. Além disso, o Brasil vem evoluindo em muitas áreas, como políticas públicas, diminuiçãodo desmatamento e da pobreza… Tudo isso faz com que seja muito interessante ter um centro sobre esses desafios neste país. Não é que tudo seja perfeito no Brasil, mas existe aqui um ambiente político-social que ajuda a quebrar o velho padrão de relacionamento entre o norte e o sul.
Meu sonho é que esse centro não seja apenas mais um think tank, com pesquisas interessantes, realização de congressos e coisas do tipo. Isso é bom, mas queremos um centro 2.0, que gere soluções vindas do conhecimento coletivo, atividades custeadas por crowdfunding…
ME – Com relação aos ODS, as Nações Unidas estão ouvindo pessoas de todo mundo para saber qual é o futuro que elas querem. Quais são os principais pontos levantados até agora?
OK – Claro que em última instância serão os representantes dos países que vão decidir quais são os ODS. Mas queremos estabelecer uma conversação global que nunca antes foi feita. Temos 11 consultas temáticas globais que acontecem tanto virtualmente quanto pessoalmente. Discutimos assuntos como desigualdade, sustentabilidade ambiental, paz e segurança, saúde e educação. Também estamos apoiando consultas em nível nacional em 90 países. Alcançamos comunidades que nunca antes ouviram falar de processos de políticas globais. E então temos a pesquisa My world (Meu Mundo) – uma plataforma aberta para qualquer um que esteja interessado em se engajar no processo.
ME – O que vocês já aprenderam nessa caminhada?
OK – Aprendemos algumas coisas. Para começar, que as pessoas não querem que mexam nos objetivos do milênio. Eles já ajudaram a melhorar bastante coisas, mas ainda há muito o que fazer. E as pessoas percebem que essa é uma ferramenta que ajuda a melhorar o desenvolvimento e as condições humanas. Também percebemos que as pessoas estão preocupadas com assuntos que vão além dos ODMs, como sustentabilidade ambiental, guerra e segurança, acesso à saúde pública e educação de qualidade, e também querem políticos honestos.
E o que me deixa feliz é que essas informações que estamos levantando já estão sendo levadas em conta quando realizamos painéis de alto nível.
Gostaria de lançar um desafio ao Brasil. O país está exercendo um papel incrivelmente importante na construção de um consenso internacional.
O que o Brasil conseguiu com a Rio+20 foi muito difícil de alcançar, mesmo que as pessoas critiquem isso. Mas eu acho que esse país pode ser importante em termos de liderança na construção do que ODS vão se tornar. Claro que todos pensam nos interesses nacionais, não sejamos inocentes, mas devemos pensar em como criar o melhor consenso possível para um desenvolvimento sustentável no futuro. Podemos ficar nos acusando sobre de quem é culpado disso ou daquilo para sempre. Mas onde vamos chegar assim? Temos que olhar para a frente e buscar modelos para financiar o desenvolvimento sustentável. Acho que o Brasil poderia ser a voz de liderança nesse processo, um dos poucos países com alta credibilidade quando se fala em progresso em direção a um desenvolvimento sustentável.
(Mercado Ético)


< voltar